O QUE É?
"FINGI NÃO SABER DE NADA, E ME PERDI EM MARILYN"
Nakamura Asumiko é uma autora que eu aprecio bastante por três aspectos principais: sua arte, sua versatilidade que vai de temas fofinhos à tramas escabrosas e sua audácia. Eu já suspeitava que essa mulher não tinha medo de nada, e agora eu tenho certeza. Meu primeiro contato com ela foi através de Doukyuusei como a maioria das pessoas e não tardei em conhecer a vertente dark de seus mangás. Como eu era muito novinha, posterguei a leitura dessas obras com medo de que eu fosse ficar muito impressionada — e honestamente, eu fiz certo. Copernicus no Kokyuu, Double Mints e J no Subete são, na minha opinião, os três mangás mais carregados da autora, sendo que J encabeça o pódio. Como em quase toda trama Boy's Love que tem abuso sexual envolvido, eu consigo enxergar influências de Kaze to Ki no Uta e Zankoku na Kami ga Shihai Suru (www) aqui, mas é... Diferente. Bem diferente, na verdade.
Para analisarmos J no Subete, precisamos antes falar de sua prequela, Barairo no Hoho no Koro, que narra o princípio da relação conturbada entre dois importantes personagens de J: Andrew Morgan e Paul Anderson. Andrew é o filho do prefeito, um rapaz deveras inconsequente, encrenqueiro e com certa tendência agressiva preocupante — mas que nem por isso deixa de criar amizades ou ter lá sua parcela de simpatia. Já Paul é descendente de judeu, extremamente retraído e que aparenta viver por inércia, sufocado por conflitos em sua vida que vieram antes mesmo dele nascer. O que liga esses dois? Uma situação em que Paul salva Andrew de uma surra. Daí para frente, Andrew fica cada vez mais curioso sobre o misterioso Paul, as questões complexas da vida dele e porquê, afinal de contas, ele se comporta de maneira tão auto-destrutiva, se é que podemos chamar assim. Por mais que Andrew se veja apaixonado por Paul em um dado momento, esse relacionamento não rende bons frutos. Num momento em que a fissura entre eles parece ter se tornado um abismo é que começa J no Subete.
Barairo é importante pois, como o título de sua sequência bem expõe, tudo ali vai ser focado na figura de J — logo este primeiro momento é essencial para entendermos a personalidade tanto do Andrew quanto do Paul. Agora, falando de J: que mangá fantástico! Fazia tempo que eu não me deparava com algo tão curto e tão bom. A personagem J, em toda a sua abordagem, é excelente! Li nos extras do terceiro volume que o intuito na Nakamura Asumiko era criar uma personagem okama nesse caso especificamente referente à uma travesti que tivesse uma aparência fofa, mas que fosse forte. Esse aspecto do ser forte pode não ficar claro para alguns leitores, já que J passa a maior parte da trama sofrendo abusos terríveis, traumáticos para ela e para o leitor. Mas eu vejo de onde vem esse adjetivo "forte" — de alguém que suporta toda essa violência, que é verbal, física e sexual, mas nunca vai renegar a sua própria natureza, ainda que isso lhe quebre metafórica e literalmente falando.
Lógico, Nakamura Asumiko não pretende tornar sua protagonista uma santa, pois J também erra e pode ser até mesmo ofensiva para com as pessoas ao seu redor. Tal fato é muito bem comprovado com sua interação com sua assistente Rita, numa situação bem similar à de Helter Skelter, mangá da Kyoko Okazaki que eu já comentei aqui no blog (www). No entanto, tal qual a Liliko de Helter Skelter, algumas ações de J são tomadas em situações que precisam ser analisadas mais detalhadamente para serem compreendidas e não tão simplesmente julgadas. Ser abusada quando criança, sexualizada desde cedo e nunca orientada quanto ao perigo dessas atitudes corroborou para uma juventude muito precoce quanto ao sexo e sem qualquer orientação quanto a proteção e tudo mais e uma vida adulta de extrema instabilidade emocional. Vale dizer que autora é incisiva: esta identificação feminina por parte de J é algo que vem muito antes do abuso, e que em momento nenhum foi influenciada por esse trauma. No entanto, J tornou-se alguém que se mantém em pé por pura persistência, pois sua força vai se esvaindo à cada momento, à cada ano. Até que chegamos em 1962, quando testemunhamos o momento onde todo o peso em suas costas cede perante um trágico acontecimento — não com J, não com Paul, não com Andrew, mas sim com Marilyn Monroe.
Para mim é simplesmente genial a quantidade de paralelos que existem entre a vida de J e de sua ídola, a Marilyn Monroe. Admito que nunca dei muita bola para a atriz, mas não pude permanecer indiferente após encerrar a leitura de J. Logo, fui atrás de saber mais da vida dessa grande diva do cinema Hollywoodiano, e me surpreendi com o que encontrei. Para a maioria, ela era o maior sex symbol que já tinha pisado na terra; Para outros, ela era uma pessoa de muita introspecção e grandes demônios interiores; Para a própria Marilyn, ela era perdida. Perdida nessa persona que ela criou, perdida nas suas falhas, nos seus amores e em seus medos, acima de tudo em seus medos. Ela passou à transformar esse vazio que sentia no ato de entreter, e ofereceu cada pedaço seu em troca da felicidade, do alívio dos outros. Sim, ela era uma mulher bem sucedida, com um brilho próprio e carisma capaz de deixar todos à sua volta simplesmente embasbacados — mas me soa como se a felicidade dela nunca tivesse sido suficiente. Viver na grandiosidade em que viveu custou-lhe muito, talvez mais do que ela estivesse pudesse pagar. Diga-se de passagem, tal qual Killing me Soflty with His Song em Killing Stalking, músicas como Two Girls From Little Rock e Kiss se tornaram um tanto perturbadoras para mim depois de J.
Outro personagem que tem um excelente crescimento é o Paul. Se em algum momento houveram amarras, questionamentos ou preconceitos que o restringissem de ser assertivo, a figura de J e o tempo lhe ensinaram a ser mais sincero consigo mesmo e para com os outros. É um crescimento que é omitido, mas o pouco que é mostrado já conta imensamente. Entretanto, não vá você, leitor ingênuo, pensar que é algo politicamente correto que temos aqui. Ainda assim, esse momento é de extrema importância para os acontecimentos futuros da trama. E o Andrew, bem, o que dizer? Esse cara me conquistou desde Barairo, acho-o terrivelmente carismático, principalmente quando mais velho.
Em conclusão, posso dizer que J no Subete consegue agregar muito mais do que se propõe, falando sobre pessoas que viveram e ainda vivem à margem da sociedade, sobre mentes destroçadas, sobre grandes vazios impossíveis de preencher, seja pelo motivo que for. Mas também sobre a importância de ter uma razão na vida, um motivo que te guia ao futuro, por mais incerto que ele seja. E, principalmente, como o amor é fundamental para qualquer pessoa. Que mangá, meus caros, que mangá. Sem dúvida uma das obras mais profundas que eu li nos últimos tempos. Quiçá, na minha vida todinha.
Pois bem meus queridos leitores, é aqui que eu me despeço. Peço perdão por todo meu sentimentalismo, mas eu de fato terminei essa história muito melancólica e triste. Prometo trazer algo mais feliz semana que vem. Um xero e fiquem com a música da Marina <3
"Nascida com um vácuo
Difícil de destruir com amor ou esperança
Construída com um coração partido desde o princípio
E agora eu morro devagar"
— Valley of the Dolls, MARINA
Eu rio mentalmente sempre que me lembro que a primeira coisa da Nakamura que folheei (é tão estranho dizer isso quando eu li em uma site na web, sem ter o volume físico) foi uma confusão muito louca que tive entre Doukyuusei e J no Subete por causa de uma imagem de Doukyuusei que uma scan usou em um outro mangá que eu estava lendo - e detalhe que mesmo depois de desfazer a confusão ainda li Double Mints antes de Doukyuusei! Eu tava tão calejada que ver o Hikaru foi como um bálsamo para a minha mente e eu tô rindo de nervoso aqui :B
ResponderExcluirMas dado ao meu folheio eu não me impressionei tanto assim com a obra, e tenho encontrado essa descoberta um tanto enfadonha em mim, de pouco me impressionar com alguns temas sórdidos e só seguir mesmo, talvez seja hora de pegar todas as obras da bonita e reler numa tacada, vai ver muda alguma coisa, não? Aliás, compartilho das suas impressões sobre a autora assim como gostei da resenha (detalhe que eu queria ter lido ela desde sua publicação, mas calhava de deixar para depois e depois e depois, enfim até este momento), me deu uma forte vontade de rever os traços da Nakamura e de mergulhar nos personagens dela - agora eu sinto que talvez eu os entenda melhor do que a o quê... sete anos atrás? É, deve ser esse tempo mesmo.
Ai, as músicas traumáticas KOREKWORKWORKWO KILLINGSTALKIGEMEUMARTIRIO REWRNWIRNIWERNWI incrível como uma música consegue ficar tão icônica a ponto de fazer parte da obra, ainda hoje me lembro dos memes de quando alguém escutava "killing me softly with his song" e já ficava desesperada lembrando do Bum no porão ASSSHSHSHBHBDSAHBDAHJDB KOOGI!!!
E caraca, o único álbum da Marina que eu não consigo gostar é Electra Heart! Eu tento, tento mas ele não cresce em mim de jeito maneira!
Enfim, vou ficando por aqui Lives, ótima postagem!